O TEA em Crianças com Síndrome de Down: diagnóstico precoce e intervenção
- Dra Marcela Cavalcanti
- 21 de mar. de 2023
- 6 min de leitura
Por Dra Marcela Cavalcanti
Março de 2023
A Co-ocorrência de Transtorno do Espectro Autista em Portadores de Síndrome de Down

A Síndrome de Down (SD) é uma condição genética que afeta cerca de 1 em cada 700 nascidos vivos e resulta de uma trissomia do cromossomo 21. Caracteriza-se por uma série de características físicas e cognitivas, incluindo retardo mental e deficiência intelectual leve a moderada.
Por outro lado, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica que afeta a comunicação social, a interação social e apresenta padrões e comportamentos repetitivos e restritivos. É comum que haja a co-ocorrência de TEA em portadores de Síndrome de Down, o que pode tornar o diagnóstico e o tratamento mais complexos.
O TEA é uma condição que pode ocorrer em qualquer pessoa, independentemente da presença ou não de outras condições médicas. No entanto, em pessoas com Síndrome de Down, a co-ocorrência de TEA é mais comum do que em pessoas sem essa condição genética. De acordo com estudos, cerca de 10 a 15% das pessoas com Síndrome de Down também têm diagnóstico de TEA. Segundo a Associação Americana de Síndrome de Down, cerca de 5 a 7% das pessoas com Síndrome de Down apresentam sinais de autismo.
A co-ocorrência de TEA em portadores de Síndrome de Down pode trazer desafios para o diagnóstico e tratamento de ambas as condições. Por exemplo, os sintomas de TEA podem ser confundidos com características típicas da Síndrome de Down, como dificuldades na comunicação e na interação social. Por outro lado, características típicas da Síndrome de Down, como atrasos no desenvolvimento motor e cognitivo, podem dificultar a avaliação e o diagnóstico preciso de TEA.
O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças portadoras de Síndrome de Down pode ser mais complexo do que em crianças sem essa condição genética, uma vez que algumas características da Síndrome de Down podem se sobrepor aos sintomas do TEA. No entanto, existem alguns testes que podem ajudar no diagnóstico preciso de TEA em crianças com Síndrome de Down.
QUANDO SUSPEITAR? Comportamentos a serem observados
Antes dos 3 anos:
• Comportamentos motores repetitivos
• Fascinação e olhar para as luzes, ventiladores de teto, ou dedos
• Movimentos oculares episódicos
• Recusa alimentar extrema
• Brincadeiras incomuns com brinquedos ou outros objetos
• Deficiência de linguagem receptiva
• Pouca ou nenhuma linguagem falada significativa, gestos ou sinais
3 anos ou mais:
• Histórico de regressão do desenvolvimento
• Hiper ou hipoatividade, falta de atenção, impulsividade e má organização
• Vocalizações incomuns
• Capacidade de resposta sensorial incomum
• Dificuldade com mudanças na rotina familiar ou do ambiente
• Ansiedade extrema, medo ou agitação
• Distúrbios do sono
• Comportamentos perturbadores
Adolescentes e Adultos:
• Falta significativa de resposta social ou relacionamento com a família ou amigos
• Falta de interesse ou capacidade de desenvolver relacionamentos com colegas
• Antissocial, ansioso ou medroso na presença de pessoas que não conhece
• Comportamentos motores estereotipados e repetitivos intensificados
• Obsessão ou fascinação por objetos inanimados
• Falta de habilidade ou interesse em brincadeiras criativas
• Manipulação de objetos de formas rígidas
• Sensibilidade intensificada a certos tipos de entrada sensorial
• Birras e explosões frequentes, bem como ataques verbais ou agressão física
• Grande dificuldade em se ajustar às transições
• Cair no chão e se recusar a se mover
Observe que muitos desses comportamentos são normais para crianças com Síndrome de Down em determinados pontos do desenvolvimento. Além disso, uma criança com síndrome de Down pode experimentar um desenvolvimento relativamente normal, mas depois regredir desenvolvendo esses comportamentos entre as idades de três e sete anos.
A avaliação diagnóstica do TEA em crianças com Síndrome de Down deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar, que inclui médicos neuropediatras, neuropsicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Alguns dos testes que podem ser utilizados na avaliação diagnóstica incluem:
Escalas de avaliação comportamental: Existem várias escalas de avaliação comportamental que podem ser usadas para avaliar os sintomas de TEA em crianças com Síndrome de Down. Algumas dessas escalas incluem a Escala de Autismo na Infância (CARS), a Escala de Comportamento Autista-Revisada (ABC-R) e o Checklist para Autismo em Crianças (CHAT).
Entrevista clínica: Entrevistas clínicas estruturadas, como a Entrevista Diagnóstica para o Autismo-Revisada (ADI-R) e a Entrevista de Diagnóstico para o Autismo (ADOS), podem ser utilizadas para avaliar os sintomas de TEA em crianças com Síndrome de Down. Essas entrevistas são realizadas por um profissional treinado e avaliam a presença de sintomas de TEA em áreas como comunicação social, comportamento repetitivo e interesses restritos.
Avaliação neuropsicológica: A avaliação neuropsicológica pode ajudar a avaliar as habilidades cognitivas e comportamentais da criança, incluindo habilidades sociais, linguagem e atenção. Testes como o Teste de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC) e o Teste de Avaliação Neuropsicológica Infantil (NEPSY) podem ser usados para avaliar o desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança.
Avaliação sensorial: A avaliação sensorial pode ajudar a identificar as sensibilidades sensoriais específicas da criança e como essas sensibilidades podem afetar seu comportamento e interação social. Testes como o Perfil Sensorial de Winnie Dunn e o Inventário de Sensibilidade Sensorial podem ser usados para avaliar a sensibilidade sensorial da criança.
Além desses testes, é importante que a equipe multidisciplinar realize uma avaliação completa da saúde da criança, incluindo exames físicos, avaliação de habilidades motoras e avaliação de audição e visão. A avaliação da história médica e do desenvolvimento da criança também é importante para obter uma visão abrangente de suas habilidades e necessidades.
O diagnóstico de TEA em crianças com Síndrome de Down requer uma avaliação multidisciplinar abrangente que inclui testes comportamentais, entrevistas clínicas, avaliação neuropsicológica e avaliação sensorial. É importante que a equipe de profissionais tenha experiência no diagnóstico de TEA.
O diagnóstico precoce e preciso de TEA em portadores de Síndrome de Down é essencial para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Os profissionais de saúde, incluindo médicos neuropediatras, devem estar atentos aos sinais e sintomas de TEA, incluindo dificuldades de comunicação, comportamentos repetitivos e restritivos, e dificuldades na interação social. É importante que os profissionais tenham conhecimento das características típicas da Síndrome de Down, para que possam distinguir entre as características da síndrome e as características do TEA.
O tratamento do TEA em portadores de Síndrome de Down também pode ser mais complexo do que o tratamento do TEA em pessoas sem essa condição genética.
É importante lembrar que cada criança é única, com suas próprias necessidades e desafios, e o tratamento deve ser adaptado a cada caso individual. No entanto, existem algumas abordagens que podem ser úteis no tratamento de crianças com Síndrome de Down e TEA. Alguns tratamentos indicados incluem:
Terapia comportamental: A terapia comportamental é frequentemente recomendada para crianças com TEA e pode ser especialmente útil para crianças com Síndrome de Down. A terapia comportamental inclui uma variedade de técnicas que ajudam a criança a aprender novas habilidades sociais e de comunicação. A terapia comportamental pode ser realizada individualmente ou em grupo e pode envolver várias abordagens, como terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada) e terapia de integração sensorial.
Terapia ocupacional: A terapia ocupacional pode ajudar a criança com Síndrome de Down e TEA a desenvolver habilidades motoras finas e grossas, coordenação e controle muscular. A terapia ocupacional pode incluir atividades como brincar com massa de modelar, trabalhar em quebra-cabeças, pintar e desenhar, entre outras atividades.
Terapia fonoaudiológica: A terapia fonoaudiológica pode ajudar a criança a desenvolver habilidades de comunicação e linguagem, bem como melhorar a capacidade de compreensão e expressão. A terapia fonoaudiológica pode envolver atividades como jogos de vocabulário, dramatização de situações sociais e técnicas de treinamento de habilidades de comunicação.
Medicamentos: Em alguns casos, medicamentos podem ser prescritos para tratar sintomas específicos do TEA, como agressividade, hiperatividade ou ansiedade. No entanto, é importante lembrar que os medicamentos não são uma cura para o TEA e devem ser usados com cautela.
Além dessas abordagens terapêuticas, é importante que a criança receba um cuidado médico abrangente, incluindo exames regulares de saúde, cuidados dentários e cuidados com a alimentação. O envolvimento da família no processo de tratamento através de Psicoeducação Parental deve treinar os pais e familiares a lidar com os desafios comportamentais e do cotidiano, além de oferecer suporte emocional e psicológico para a família.
Pessoas com Síndrome de Down que apresentam TEA podem apresentar desafios únicos. As crianças com essa dupla condição genética, no entanto, podem levar vidas plenas e gratificantes com o suporte adequado. O diagnóstico precoce e o tratamento apropriado possibilitam o desenvolvimento de habilidades e potenciais, para um bom funcionamento social e emocional.
Fontes:
1. Dimachkie Nunnally, Amanda et al. “Symptoms of Autism Spectrum Disorder in Individuals with Down Syndrome.” Brain sciences vol. 11,10 1278. 26 Sep. 2021, doi:10.3390/brainsci11101278
2. Diniz NLF, Parlato-Oliveira E, Pimenta PGA, Araújo LA, Valadares ER. Autism and Down syndrome: early identification and diagnosis. Arq Neuropsiquiatr. 2022 Jun;80(6):620-630. doi: 10.1590/0004-282X-ANP-2021-0156. PMID: 35946706; PMCID: PMC9387185.
3. Barton-Hulsey A, Phinney S, Collins S. Augmentative and Alternative Communication Supports for Language and Literacy in Preschool: Considerations for Down Syndrome and Autism Spectrum Disorder. Semin Speech Lang. 2021 Aug;42(4):345-362. doi: 10.1055/s-0041-1730996. Epub 2021 Jul 26. PMID: 34311485.
Comments